quinta-feira, 17 de abril de 2014

Adaptações fisiológicas ao treinamento físico



A realização do exercício constitui um estresse fisiológico para o organismo em função do grande aumento da demanda energética em relação ao repouso, o que provoca grande liberação de calor e intensa modificação do ambiente químico muscular e sistêmico. Consequentemente, a exposição regular ao exercício ao longo do tempo (treinamento físico) promove um conjunto de adaptações morfológicas e funcionais que conferem maior capacidade ao organismo para responder ao estresse do exercício. Desta forma, após essas adaptações, um exercício de mesma intensidade absoluta (mesma velocidade e inclinação na esteira, por exemplo), provocaria menores efeitos agudos após um período de treinamento1.
É importante destacar que os efeitos crônicos do exercício dependem, fundamentalmente, de uma adaptação periférica, que envolve tanto um melhor controle e distribuição do fluxo sanguíneo, como adaptações específicas da musculatura esquelética. Ocorrem modificações histoquímicas na musculatura treinada dependentes do tipo de treinamento, fazendo com que a atividade enzimática seja predominantemente oxidativa (aeróbica) ou glicolítica (anaeróbica lática)1.
Nesta postagem serão apresentadas as adaptações típicas ao treina- mento físico, lembrando que elas podem ser muito heterogêneas, dependendo não só das características do exercício a ser realizado, mas também do tipo de pessoas que os realizam, da presença de algumas condições médicas associadas e da capacidade funcional prévia do paciente.
Os dados que serão apresentados nesta seção são resultados de estudos clássicos que avaliaram processos fisiológicos. Em geral, são estudos experimentais presentes na grande maioria dos livros-texto de fisiologia do exercício. 

Adaptações ao treinamento aeróbio

Frequência cardíaca - O treinamento aeróbico reduz tanto a frequência cardíaca em repouso como durante o exercício realizado em cargas submáximas de trabalho. Esses efeitos parecem ser devidos à redução da hiperatividade simpática, aumento da atividade parassimpática, mudança no marca-passo cardíaco ou mesmo melhora da função sistólica1. Apesar de o treinamento físico induzir melhora da potência aeróbica máxima, ele não modifica de modo apreciável a frequência cardíaca máxima. Ou seja, pacientes treinados aerobicamente alcançarão a mesma frequência cardíaca máxima de antes do treinamento, porém serão necessários níveis mais intensos de esforço para que essa frequência cardíaca máxima seja alcançada2.

Pressão arterial - O treinamento físico reduz a pressão arterial de repouso e durante exercício submáximo3. Da mesma forma que ocorre com a frequência cardíaca, o treinamento físico parece provocar pouca alteração na pressão arterial máxima aferida no pico do esforço. Da mesma forma que ocorre com a frequência cardíaca, o treinamento físico parece provocar pouca alteração na pressão arterial máxima aferida no pico do esforço1.

Consumo de oxigênio - O consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) avalia de forma específica a capacidade aeróbica de um indivíduo. O sistema de transporte do oxigênio sofre uma adaptação favorável com o treinamento físico, que se exterioriza através de maiores valores de VO2 máx 1. O consumo de oxigênio é determinado pelo débito cardíaco e pela diferença arteriovenosa de oxigênio1. O treinamento físico aumenta a diferença arteriovenosa de oxigênio através do aumento da volemia, da densidade capilar, do débito cardíaco e da extração periférica de oxigênio durante o exercício1. Nos pacientes portadores de cardiopatia, o treinamento aumenta em 10% a 30% o VO2 máx, sendo este aumento mais evidente nos primeiros três meses de treinamento2. A melhora da potência aeróbica máxima costuma ser inversamente proporcional à capacidade física antes do treinamento, sendo os pacientes mais comprometidos os que, proporcionalmente, obtêm as melhorias mais significativas1.

Função ventricular - Para uma mesma intensidade de esforço submáximo, o indivíduo treinado apresenta o mesmo débito cardíaco, porém às custas de freqüência cardíaca mais baixa e volume sistólico maior2. A maior extração periférica de oxigênio durante o exercício pode permitir que o indivíduo treinado atinja a mesma intensidade de exercício com menor débito cardíaco1. Como a frequência cardíaca no esforço máximo é semelhante no indivíduo treinado e no destreinado, o aumento do débito cardíaco ocorre devido a aumento no volume sistólico1.

Metabolismo - Com o treinamento físico, a musculatura esquelética desenvolve grandes adaptações na densidade capilar, na estrutura protéica miofibrilar e na sua composição enzimática1. Isso resulta em maior eficiência na utilização de lipídios como substrato energético, retardando a utilização de glicogênio muscular, prolongando o tempo de exercício e aumentando a intensidade de esforço que pode ser sustentado1.

Considerando as adaptações aqui apresentadas, pode-se concluir que um indivíduo treinado aumenta o volume sistólico máximo, o débito cardíaco máximo e a tolerância à acidose muscular, permitindo atingir um VO2 máximo mais elevado1. Desta forma, mesmo que o limiar anaeróbico (intensidade do esforço a partir da qual a produção do lactato muscular suplanta a capacidade do organismo em removê-lo) continue a ocorrer no mesmo percentual do esforço máximo, este ocorrerá durante um consumo absoluto de oxigênio mais elevado1. Sendo assim, o desencadeamento de acidose ocorrerá em intensidade mais elevada de exercício1. Com o treinamento aeróbico, o aumento do limiar anaeróbico pode ser proporcionalmente maior que os aumentos obtidos do VO2 máximo, caracterizando um aumento da tolerância ao exercício submáximo1. Essas adaptações têm repercussões práticas, permitindo ao indivíduo treinado suportar cargas submáximas maiores por mais tempo, retardando o desenvolvimento de acidose e fadiga1.

Adaptações ao treinamento de força

A maioria das atividades físicas que envolve contração muscular não é puramente dinâmica ou estática. Os dois tipos de contração produzem diferentes respostas hemodinâmicas, conforme será descrito a seguir1. As atividades com componente estático envolvem movimentos de baixa repetição contra resistências elevadas, em que predominam contrações do tipo estáticas ou isométricas, nas quais se desenvolve tensão sem encurtamento do ventre muscular1. Essa tensão muscular aumentada leva à restrição do fluxo sanguíneo muscular durante a contração, devido à compressão das arteríolas e capilares que perfundem o leito muscular, desencadeando resposta pressórica desproporcional ao consumo de oxigênio local4,5,6. A pressão arterial sobe bruscamente ao início de uma contração estática, quando esta tende a limitar o fluxo sanguíneo arterial, na tentativa de manter a pressão de perfusão para a musculatura em atividade4,5,6. Essa elevação ocorre tanto na pressão arterial sistólica quanto na diastólica, resultando em maior pós-carga e menor pré-carga por diminuição do retorno venoso, sendo observadas pressões arteriais médias de até 320/250 mmHg em contrações máximas dos membros inferiores4,5,6. A marcada elevação da pressão diastólica é uma das principais diferenças fisiológicas entre estes dois tipos básicos de contração4,5,6.
Durante a contração isométrica, observa-se aumento da frequência cardíaca, que varia de acordo com a massa muscular envolvida na contração, com a força voluntária máxima e com a duração da contração7. Esse aumento, que não costuma ultrapassar valores entre 62,7% e 85,2% da frequência cardíaca atingida durante um teste de esforço máximo em esteira, é o responsável pela elevação do débito cardíaco, já que o volume sistólico, em geral, não se eleva durante a contração isométrica, podendo, inclusive, diminuir1. Durante a contração isométrica, o aumento da pressão arterial diastólica aumenta a perfusão coronariana durante a diástole, reduzindo os episódios de isquemia miocárdica durante esse tipo de treinamento1. Uma revisão de 12 estudos sobre o uso do treinamento de força em programas de reabilitação cardíaca mostrou que, em portadores de doença arterial coronariana estável, já em treinamento aeróbico por pelo menos três meses, adicionar o treinamento de força (resistência muscular localizada) parece ser bastante seguro, promovendo melhora da força muscular e da endurance, sem desencadear episódios de isquemia miocárdica, anormalidades hemodinâmicas, arritmias ventriculares complexas ou outras complicações cardiovasculares8.
A força muscular é fundamental para a saúde, para a manutenção de boa capacidade funcional e para atingir qualidade de vida satisfatória1. Ela pode ser aumentada através de exercícios contra sobrecargas progressivas de trabalho com componente estático cada vez mais elevado (sem ultrapassar 50-60% da força de contração voluntária máxima). Nos últimos anos, o treinamento complementar de força passou a fazer parte dos programas de reabilitação cardíaca, ajudando a melhorar a resistência muscular, a função cardiovascular, o metabolismo, os fatores de risco coronariano e o bem-estar geral9.
Apesar de os mecanismos de melhora serem diferentes, tanto o treinamento aeróbio quanto o treinamento de força produzem efeitos favoráveis sobre a densidade mineral óssea, tolerância à glicose e a sensibilidade à insulina1. Para o controle do peso corporal, o treinamento de força aumenta o gasto calórico através do aumento da massa muscular magra e do metabolismo basal. Em indivíduos jovens, o treinamento de força eleva a resistência muscular, mas afeta pouco o VO2 máx 1. Em idosos, Vincent e colaboradores10 demonstraram aumento superior a 20% na capacidade aeróbica após o treinamento de força durante 24 semanas, provavelmente secundário à elevação da atividade das enzimas oxidativas e por diminuição da fraqueza da musculatura nos membros inferiores, permitindo o prolongamento do tempo de exercício.
 

Referências bibliográficas

1. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes de Reabilitação Cardíaca. Arquivos Brasileiros de Cardiologia.  2005; 84(5): 431-39.
2. Froelicher VF, Myers JN. Exercise and the Heart. 3º edição. Philadelphia: WB Saunders, 2000.
3. Pescatello LS, Franklin BA, Fagard R, Farquhar WB, Kelley GA, Ray CA; American College of Sports. Exercise and hypertension. Med Science Sport Exerc 2004; 36: 533-53.
4. Donald KW, Lind AR, Mc Nicol SW, Humphreys PW, Taylor SH, Stauton HP. Cardio- vascular response to sustained (static) contractions. Circulation Research 1967; 20 & 21: S1-15.
5. Mitchel JR, Wildenthal K. Static (isometric) exercise and the heart: physiological and clinical considerations. Ann Rev Med 1974; 25: 369-81.
6. Tuttle WW, Horvath SM. Comparison of effect of static and dynamic work on blood pressure and heart rate. J Appl Physiol 1957; 10: 294-6.
7. Lewis SF, Snell PG, Taylor WF, et al. Role of muscle mass and mode of contraction in circulatory responses to exercise. J Appl Physiol 1985; 58: 146-51.
8. Feigengaum MS, Pollock ML. Strength training. Phys Sport Med 1997; 25: 44-64. 16.
9. Kraemer WJ, Adams K, Cafarelli E, et al. Progression models in resistance training for healthy adults: position stand. Med Sci Sports Exerc 2002; 34: 364–80.
10. Vincent KR, Braith RW, Feldman RA, Kallas HE, Lowenthal DT. Improved cardi- orespiratory endurance following 6 months of resistance exercise in elderly men and women. Arch Intern Med 2002; 162: 673-8.

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