A realização
do exercício constitui um estresse fisiológico para o organismo em função do
grande aumento da demanda energética em relação ao repouso, o que provoca
grande liberação de calor e intensa modificação do ambiente químico muscular e
sistêmico. Consequentemente, a exposição regular ao exercício ao longo do tempo
(treinamento físico) promove um conjunto de adaptações morfológicas e
funcionais que conferem maior capacidade ao organismo para responder ao
estresse do exercício. Desta forma, após essas adaptações, um exercício de
mesma intensidade absoluta (mesma velocidade e inclinação na esteira, por
exemplo), provocaria menores efeitos agudos após um período de treinamento1.
É importante
destacar que os efeitos crônicos do exercício dependem, fundamentalmente, de
uma adaptação periférica, que envolve tanto um melhor controle e distribuição
do fluxo sanguíneo, como adaptações específicas da musculatura esquelética.
Ocorrem modificações histoquímicas na musculatura treinada dependentes do tipo
de treinamento, fazendo com que a atividade enzimática seja predominantemente
oxidativa (aeróbica) ou glicolítica (anaeróbica lática)1.
Nesta postagem
serão apresentadas as adaptações típicas ao treina- mento físico, lembrando que
elas podem ser muito heterogêneas, dependendo não só das características do
exercício a ser realizado, mas também do tipo de pessoas que os realizam, da
presença de algumas condições médicas associadas e da capacidade funcional
prévia do paciente.
Os dados que
serão apresentados nesta seção são resultados de estudos clássicos que
avaliaram processos fisiológicos. Em geral, são estudos experimentais presentes
na grande maioria dos livros-texto de fisiologia do exercício.
Adaptações ao treinamento aeróbio
Frequência cardíaca - O treinamento aeróbico reduz tanto a frequência
cardíaca em repouso como durante o exercício realizado em cargas submáximas de
trabalho. Esses efeitos parecem ser devidos à redução da hiperatividade
simpática, aumento da atividade parassimpática, mudança no marca-passo cardíaco
ou mesmo melhora da função sistólica1. Apesar de o treinamento
físico induzir melhora da potência aeróbica máxima, ele não modifica de modo
apreciável a frequência cardíaca máxima. Ou seja, pacientes treinados
aerobicamente alcançarão a mesma frequência cardíaca máxima de antes do
treinamento, porém serão necessários níveis mais intensos de esforço para que
essa frequência cardíaca máxima seja alcançada2.
Pressão arterial - O treinamento físico reduz a pressão arterial de
repouso e durante exercício submáximo3. Da mesma forma que ocorre
com a frequência cardíaca, o treinamento físico parece provocar pouca alteração
na pressão arterial máxima aferida no pico do esforço. Da mesma forma que
ocorre com a frequência cardíaca, o treinamento físico parece provocar pouca
alteração na pressão arterial máxima aferida no pico do esforço1.
Consumo de oxigênio - O consumo máximo de oxigênio (VO2
máx) avalia de forma específica a capacidade aeróbica de um indivíduo. O
sistema de transporte do oxigênio sofre uma adaptação favorável com o
treinamento físico, que se exterioriza através de maiores valores de VO2
máx 1. O consumo de oxigênio é determinado pelo débito cardíaco e
pela diferença arteriovenosa de oxigênio1. O treinamento físico
aumenta a diferença arteriovenosa de oxigênio através do aumento da volemia, da
densidade capilar, do débito cardíaco e da extração periférica de oxigênio
durante o exercício1. Nos pacientes portadores de cardiopatia, o
treinamento aumenta em 10% a 30% o VO2 máx, sendo este aumento mais evidente
nos primeiros três meses de treinamento2. A melhora da potência
aeróbica máxima costuma ser inversamente proporcional à capacidade física antes
do treinamento, sendo os pacientes mais comprometidos os que,
proporcionalmente, obtêm as melhorias mais significativas1.
Função ventricular - Para uma mesma intensidade de esforço
submáximo, o indivíduo treinado apresenta o mesmo débito cardíaco, porém às
custas de freqüência cardíaca mais baixa e volume sistólico maior2.
A maior extração periférica de oxigênio durante o exercício pode permitir que o
indivíduo treinado atinja a mesma intensidade de exercício com menor débito
cardíaco1. Como a frequência cardíaca no esforço máximo é semelhante
no indivíduo treinado e no destreinado, o aumento do débito cardíaco ocorre
devido a aumento no volume sistólico1.
Metabolismo - Com o treinamento físico, a musculatura esquelética
desenvolve grandes adaptações na densidade capilar, na estrutura protéica
miofibrilar e na sua composição enzimática1. Isso resulta em maior
eficiência na utilização de lipídios como substrato energético, retardando a utilização
de glicogênio muscular, prolongando o tempo de exercício e aumentando a
intensidade de esforço que pode ser sustentado1.
Considerando
as adaptações aqui apresentadas, pode-se concluir que um indivíduo treinado
aumenta o volume sistólico máximo, o débito cardíaco máximo e a tolerância à
acidose muscular, permitindo atingir um VO2 máximo mais elevado1.
Desta forma, mesmo que o limiar anaeróbico (intensidade do esforço a partir da
qual a produção do lactato muscular suplanta a capacidade do organismo em
removê-lo) continue a ocorrer no mesmo percentual do esforço máximo, este
ocorrerá durante um consumo absoluto de oxigênio mais elevado1.
Sendo assim, o desencadeamento de acidose ocorrerá em intensidade mais elevada
de exercício1. Com o treinamento aeróbico, o aumento do limiar
anaeróbico pode ser proporcionalmente maior que os aumentos obtidos do VO2
máximo, caracterizando um aumento da tolerância ao exercício submáximo1.
Essas adaptações têm repercussões práticas, permitindo ao indivíduo treinado
suportar cargas submáximas maiores por mais tempo, retardando o desenvolvimento
de acidose e fadiga1.
Adaptações ao treinamento de força
A maioria das
atividades físicas que envolve contração muscular não é puramente dinâmica ou
estática. Os dois tipos de contração produzem diferentes respostas hemodinâmicas,
conforme será descrito a seguir1. As atividades com componente
estático envolvem movimentos de baixa repetição contra resistências elevadas,
em que predominam contrações do tipo estáticas ou isométricas, nas quais se
desenvolve tensão sem encurtamento do ventre muscular1. Essa tensão
muscular aumentada leva à restrição do fluxo sanguíneo muscular durante a
contração, devido à compressão das arteríolas e capilares que perfundem o leito
muscular, desencadeando resposta pressórica desproporcional ao consumo de
oxigênio local4,5,6. A pressão arterial sobe bruscamente ao início
de uma contração estática, quando esta tende a limitar o fluxo sanguíneo
arterial, na tentativa de manter a pressão de perfusão para a musculatura em
atividade4,5,6. Essa elevação ocorre tanto na pressão arterial
sistólica quanto na diastólica, resultando em maior pós-carga e menor pré-carga
por diminuição do retorno venoso, sendo observadas pressões arteriais médias de
até 320/250 mmHg em contrações máximas dos membros inferiores4,5,6.
A marcada elevação da pressão diastólica é uma das principais diferenças fisiológicas
entre estes dois tipos básicos de contração4,5,6.
Durante a
contração isométrica, observa-se aumento da frequência cardíaca, que varia de
acordo com a massa muscular envolvida na contração, com a força voluntária
máxima e com a duração da contração7. Esse aumento, que não costuma
ultrapassar valores entre 62,7% e 85,2% da frequência cardíaca atingida durante
um teste de esforço máximo em esteira, é o responsável pela elevação do débito
cardíaco, já que o volume sistólico, em geral, não se eleva durante a contração
isométrica, podendo, inclusive, diminuir1. Durante a contração
isométrica, o aumento da pressão arterial diastólica aumenta a perfusão coronariana
durante a diástole, reduzindo os episódios de isquemia miocárdica durante esse
tipo de treinamento1. Uma revisão de 12 estudos sobre o uso do treinamento
de força em programas de reabilitação cardíaca mostrou que, em portadores de
doença arterial coronariana estável, já em treinamento aeróbico por pelo menos
três meses, adicionar o treinamento de força (resistência muscular localizada)
parece ser bastante seguro, promovendo melhora da força muscular e da
endurance, sem desencadear episódios de isquemia miocárdica, anormalidades
hemodinâmicas, arritmias ventriculares complexas ou outras complicações
cardiovasculares8.
A força muscular
é fundamental para a saúde, para a manutenção de boa capacidade funcional e
para atingir qualidade de vida satisfatória1. Ela pode ser aumentada
através de exercícios contra sobrecargas progressivas de trabalho com
componente estático cada vez mais elevado (sem ultrapassar 50-60% da força de
contração voluntária máxima). Nos últimos anos, o treinamento complementar de
força passou a fazer parte dos programas de reabilitação cardíaca, ajudando a
melhorar a resistência muscular, a função cardiovascular, o metabolismo, os
fatores de risco coronariano e o bem-estar geral9.
Apesar de os
mecanismos de melhora serem diferentes, tanto o treinamento aeróbio quanto o
treinamento de força produzem efeitos favoráveis sobre a densidade mineral
óssea, tolerância à glicose e a sensibilidade à insulina1. Para o
controle do peso corporal, o treinamento de força aumenta o gasto calórico
através do aumento da massa muscular magra e do metabolismo basal. Em
indivíduos jovens, o treinamento de força eleva a resistência muscular, mas
afeta pouco o VO2 máx 1. Em idosos, Vincent e
colaboradores10 demonstraram aumento superior a 20% na capacidade
aeróbica após o treinamento de força durante 24 semanas, provavelmente
secundário à elevação da atividade das enzimas oxidativas e por diminuição da
fraqueza da musculatura nos membros inferiores, permitindo o prolongamento do
tempo de exercício.
Referências bibliográficas
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10. Vincent KR, Braith RW, Feldman RA, Kallas HE, Lowenthal DT.
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