sábado, 16 de abril de 2016

No pain, no gain? Até onde isso é verdade?


Muito se ouve falar na seguinte expressão “no pain, no gain”, que traduzindo para o velho e bom português nada mais é que “sem dor, sem ganho” e isto, além de uma expressão, é uma prática muito comum entre os adeptos da musculação, pois com isso eles acabam avaliando a qualidade do treinamento pela dor muscular tardia (DMT) (Teixeira e colaboradores, 2015), mas até onde isso é verdade?
A DMT é um sintoma associado à micro lesões do tecido conectivo que sensibilizam nociceptores (receptores de dor) causadas pela tensão muscular gerada pelo treinamento de força (Proske e Morgan, 2001). A ruptura da estrutura do sarcômero (unidade funcional contrátil da fibra muscular) leva a um fluxo de proteínas e biomoléculas entre os líquidos intracelular e extracelular, que leva a uma resposta inflamatória (Stauber e colaboradores, 1990).
São vários mecanismos apresentados na literatura que apontam para possíveis explicações do processo de síntese proteica, dentro desses processos, sabemos que existe uma relação entre a hipertrofia e a inflamação muscular causada pelo treinamento (Azizbeigi e colaboradores, 2015).
Porém, Nosaka (2002) mostrou que não existe uma correlação entre os biomarcadores inflamatórios e a percepção da DMT (avaliada por uma escala visual). Outro fato que desconsidera a correlação entre DMT e hipertrofia é que atletas de provas de endurance (maratonistas e ciclistas de longas distâncias) apontam altos níveis de DMT com nenhuma adaptação favorável à hipertrofia (Tee e colaboradores, 2007). Dessa forma a DMT não é um parâmetro para avaliação da qualidade do treinamento e consequentemente de uma maior resposta hipertrófica. 
Também existe um mito nas academias relacionado à DMT onde o treinamento de um grupo muscular deve respeitar um intervalo determinado pela ausência completa da dor. Entretanto, a DMT parece apresentar uma alta variabilidade interindividual (Tegedee e colaboradores, 2003). Essa variabilidade pode estar associada tanto a fatores genéticos quanto a ajustes periféricos que podem modular a sensação da dor no sistema nervoso central em diferentes níveis (Nicol e colaboradores, 2003). 
Sikorski e colaboradores (2013) verificaram através de relatos de bodybuilders, que alguns grupos musculares são mais propensos a DMT do que outros. Dessa forma também se desconsidera a utilização da percepção da DMT para estimar o intervalo de treino entre os grupos musculares. 
Logo, conclui-se que apesar da dor muscular tardia ser uma resposta a processos inflamatórios que estão relacionados com mecanismos de hipertrofia, ela não tem correlação com os biomarcadores inflamatórios. Outro fator que limita a utilização da dor muscular tardia é sua alta variabilidade interindividual. Dessa forma, esse sintoma não prediz hipertrofia, qualidade do treino e nem intervalo de repouso entre grupos musculares (Teixeira e colaboradores, 2015).
Então, cuidado ao sair divulgando pelas redes sociais e outros meios a expressão “no pain, no gain”, e pessoas leigas acharem isso uma verdade absoluta e se lesionarem com uma distensão muscular ou ruptura muscular e nos tendões. 

A dor muscular tardia é muito comum em iniciantes ou quando há uma mudança no programa de treino, mas esta dor não significa treino de boa qualidade, é apenas uma resposta fisiológica necessária para o seu corpo se adaptar ao treino, e se a dor for intensa e persistir por mais de uma semana, interrompa o seu treino e procure um médico, pois pode ter ocorrida uma grave lesão.

Referências

Azizbeigi, K.; Azarbayjani, M. A.; Atashak, S.; Stannard, S. R. Effect of moderate and high resistance training intensity on indices of inflammatory and oxidative stress. Research in Sports Medicine. Vol.23. Núm.1. p.73-87, 2015.

Nicol, C.; Kuitunen, S.; Kyröläinen, H.; Avela, J.; Komi, P. Effects of long-and shortterm fatiguing stretch-shortening cycle exercises on reflex emg and force of the tendon-muscle complex. European journal of applied physiology. Vol. 90. Núm. 5-6. p.470-479. 2003.

Nosaka, K.; Newton, M.; Sacco, P. Delayedonset muscle soreness does not reflect the magnitude of eccentric exerciseinduced muscle damage. Scandinavian journal of medicine & science in sports. Vol. 12. Núm. 6. p. 337-346. 2002.

Proske, U.; Morgan, D. Muscle damage from eccentric exercise: Mechanism, mechanical signs, adaptation and clinica applications. The Journal of physiology. Vol. 537. Núm. 2. p. 333-345. 2001.

Sikorski, E. M.; Wilson, J. M.; Lowery, R. P.; Joy, J. M.; Laurent, C. M.; Wilson, S. M.; Hesson, D.; Naimo, M. A.; Averbuch, B.; Gilchrist, P. Changes in perceived recovery status scale following high-volume muscle damaging resistance exercise. The Journal of Strength & Conditioning Research. Vol. 27. Núm. 8. p. 2079-2085. 2013.

Stauber, W.; Clarkson, P.; Fritz, V.; Evans, W. Extracellular matrix disruption and pain after eccentric muscle action. Journal of Applied Physiology. Vol. 69. Núm. 3. p.868-874. 1990.

Tee, J. C.; Bosch, A. N.; Lambert, M. I. Metabolic consequences of exercise-induced muscle damage. Sports Medicine. Vol. 37. Núm. 10. p. 827-836. 2007.

Tegeder, I.; Meier, S.; Burian, M.; Schmidt, H.; Geisslinger, G.; Lötsch, J. Peripheral opioid analgesia in experimental human pain models. Brain. Vol. 126. Núm. 5. p. 1092-1102. 2003.

Teixeira, C. V. L. S.; Motoyama, Y.; Gentil, P. Musculação: crenças vs. evidências. Revista Brasileira de Prescrição e Fisiologia do Exercício, São Paulo. Vol .9. Núm. 55. p. 562-571. 2015.



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