Muito se ouve falar na seguinte expressão “no pain, no gain”, que
traduzindo para o velho e bom português nada mais é que “sem dor, sem ganho” e
isto, além de uma expressão, é uma prática muito comum entre os adeptos da
musculação, pois com isso eles acabam avaliando a qualidade do treinamento pela
dor muscular tardia (DMT) (Teixeira e colaboradores, 2015), mas até onde isso é
verdade?
A DMT é um sintoma associado à micro lesões do tecido conectivo
que sensibilizam nociceptores (receptores de dor) causadas pela tensão muscular
gerada pelo treinamento de força (Proske e Morgan, 2001). A ruptura da
estrutura do sarcômero (unidade funcional contrátil da fibra muscular) leva a
um fluxo de proteínas e biomoléculas entre os líquidos intracelular e
extracelular, que leva a uma resposta inflamatória (Stauber e colaboradores,
1990).
São vários mecanismos apresentados na literatura que apontam para
possíveis explicações do processo de síntese proteica, dentro desses processos,
sabemos que existe uma relação entre a hipertrofia e a inflamação muscular
causada pelo treinamento (Azizbeigi e colaboradores, 2015).
Porém, Nosaka (2002) mostrou que não existe uma correlação entre
os biomarcadores inflamatórios e a percepção da DMT (avaliada por uma escala
visual). Outro fato que desconsidera a correlação entre DMT e hipertrofia é que
atletas de provas de endurance (maratonistas e ciclistas de longas distâncias)
apontam altos níveis de DMT com nenhuma adaptação favorável à hipertrofia (Tee
e colaboradores, 2007). Dessa forma a DMT não é um parâmetro para avaliação da
qualidade do treinamento e consequentemente de uma maior resposta hipertrófica.
Também existe um mito nas academias relacionado à DMT onde o
treinamento de um grupo muscular deve respeitar um intervalo determinado pela
ausência completa da dor. Entretanto, a DMT parece apresentar uma alta
variabilidade interindividual (Tegedee e colaboradores, 2003). Essa variabilidade
pode estar associada tanto a fatores genéticos quanto a ajustes periféricos que
podem modular a sensação da dor no sistema nervoso central em diferentes níveis
(Nicol e colaboradores, 2003).
Sikorski e colaboradores (2013) verificaram através de relatos de
bodybuilders, que alguns grupos musculares são mais propensos a DMT do que
outros. Dessa forma também se desconsidera a utilização da percepção da DMT
para estimar o intervalo de treino entre os grupos musculares.
Logo, conclui-se que apesar da dor muscular tardia ser uma
resposta a processos inflamatórios que estão relacionados com mecanismos de
hipertrofia, ela não tem correlação com os biomarcadores inflamatórios. Outro
fator que limita a utilização da dor muscular tardia é sua alta variabilidade
interindividual. Dessa forma, esse sintoma não prediz hipertrofia, qualidade do
treino e nem intervalo de repouso entre grupos musculares (Teixeira e
colaboradores, 2015).
Então, cuidado ao sair divulgando pelas redes sociais e outros
meios a expressão “no pain, no gain”, e pessoas leigas acharem isso uma verdade
absoluta e se lesionarem com uma distensão muscular ou ruptura muscular e nos
tendões.
A dor muscular tardia é muito comum em iniciantes ou quando há uma
mudança no programa de treino, mas esta dor não significa treino de boa
qualidade, é apenas uma resposta fisiológica necessária para o seu corpo se
adaptar ao treino, e se a dor for intensa e persistir por mais de uma semana,
interrompa o seu treino e procure um médico, pois pode ter ocorrida uma grave
lesão.
Referências
Azizbeigi, K.;
Azarbayjani, M. A.; Atashak, S.;
Stannard, S. R. Effect of moderate and high
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stress. Research in Sports Medicine.
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Nicol, C.; Kuitunen,
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Nosaka, K.; Newton,
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Proske, U.; Morgan, D. Muscle damage from eccentric
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M.; Laurent, C. M.; Wilson, S. M.; Hesson, D.; Naimo, M. A.; Averbuch, B.; Gilchrist,
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Stauber, W.; Clarkson, P.; Fritz, V.; Evans, W.
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Tee, J. C.; Bosch, A. N.; Lambert, M. I. Metabolic consequences
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G.; Lötsch, J. Peripheral opioid analgesia in experimental human pain models. Brain.
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Teixeira, C. V. L. S.;
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crenças vs. evidências. Revista Brasileira de Prescrição e
Fisiologia do Exercício, São Paulo. Vol .9. Núm. 55. p. 562-571. 2015.
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